Os boleros
chegaram pra mim loguinho depois de você. E o tango e o flamenco. E depois dêles veio o forró que aliás dancei
muito nos terreiros arenosos da praia de Meaipe, no quintal das escolas quando
de visita de passagem. Até tinha o meu
professor de dança, que depois descobri era também o traficante local – rapaz de
corpo forte e de olhos muito fundos que gostava de dançar com a gringa
brasileira e que vendia loteria e jôgo do bicho. Sempre que eu visitava a sala do forró, uma
vez por ano, nas férias, êle me procurava logo e pedia pra dançar. Já dava pra saber bailar quase que flutuando
como aqueles casais do forró fazem, patinando pela poeira do terreiro.
A minha
herança germânica aliás não acho que foi o que me conteve. Me deu a força séria
de me manter em foco e me deu uma paixão muito grande pela filosofia. Até hoje.
Creio que a gente (em geral) seja um amálgama de tudo que vai a
ser. Não somos parte do passado, nem em
memória, pois no recontar e relembrar já viramos a página e escrevemos com
tinta nova. Essa é a beleza da coisa.
Algum filósofo
pos-moderno disse recentemente que o pensamento existe no lugar onde existe lugar
e espaço. E que pensar é
esquecer. “Thinking
is forgetting. Only in forgetting can thought be born. We think because we
forget. Thinking generalizes, synthesizes, eliminates peculiarities, but only
as forgetting enables it. Forgetting traverses thought with the same intensity
as memory. Neither forgetting nor memory is absolute; the capacity for thinking
rests upon this notion. “
O relembrar
e a memória, o recordar, recontando é ato definitivo do ser no futuro, digo eu.
Sua carta
me comoveu. Me lembrei de uma vez quando você me mandou uma dúzia de rosas vermelhas
(porque as amarelas e minhas preferidas não tem muito gôsto) com um cartãozinho
dentro, com sua letra de tinta azul elegante caidínha pra direita e pequena “para
você comer e fartar-se”. Isso depois de
você ter descompassado o meu sentido do sexo, chegando em casa, como você
chegou, de Uberaba ou de Uberlândia, cheio do cheiro das mulheres com quem você
acordou ou adormeceu.
(All my Princes are dead…)
Já naquela
época, tinhamos “issues”, questões quanto a minha necessidade tão poderosa de
fartura, de excessos, de paixões, de quebra e de extrapolação dos limites. Hoje, depois de tanto tempo, continuo trabalhando
essa e as outras duas ou três idéias primeiras, aqueles temas maiores da nossa
juventude, quando o mundo éramos nós, quando ríamos dos limites – (pelo menos
eu ria e chorava) e empurrava e batalhava para que a enormidade do meu
entendimento também fôsse o seu. E o do
mundo.
Você, de
mais comedido, queria mais calma e mais ordem e queria trabalhar dentro da
realidade do dia. Paz a tranquilidade. Você
sempre dizia que eu devia aprender a trabalhar dentro do sistema. E hoje eu
trabalho bem dentro de algum sistema.
(Com muita dificuldade…, mas isso é papo para outra estória)
Hoje sei
que aquele entendimento meu, aquele comportamento ainda é meu e me define. E continuo empurrando e me ajustando e inventando
e criando e escrevendo até que alguma centelha de gênio transparece. Alguma poesia.
Me encanta
saber, que pra você também, o eterno ficou.
Aí, como eu
conto a estória para amigos meus, você, de poeta que eu amava, se tornou
advogado. E tudo foi por água abaixo pra mim. (:”)
O mundo é o
mesmo, as palavras as mesmas, os sentimentos bastante os mesmos, nesse
território, o amor.
Beijo,
Erica
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